Direito de Família na Mídia
Para especialistas, guarda de menino de “Páginas da Vida” deveria ser do avô
26/02/2007 Fonte: Última InstânciaÀs vésperas do final da novela “Páginas da Vida”, da Rede Globo, o autor Manoel Carlos optou, no capítulo que foi ar no sábado passado (24/2), por deixar a guarda do menino Francisco (Gabriel Kaufmann) com o pai, decisão determinada pela Justiça na trama. No entanto, a escolha do autor pode não ter sido a mais adequada juridicamente.
Última Instância ouviu alguns advogados que atuam na área e constatou que o desfecho para o caso na novela é diferente daquele apontado pelos operadores do direito. Eles deixam claro que cada caso é um caso, mas predomina a corrente que avalia que, na Justiça da vida real, a questão deveria ser resolvida à luz da moderna teoria da desbiologização. Ou seja, a prevalência das relações afetivas e de afinidades sobre os laços sanguínios nas questões sobre guarda de crianças.
De acordo com os advogados Gustavo Rene Nicolau (sócio do IBDFAM), Maria Fernanda Vaiano e Nelson Shikicima, a guarda de Francisco deveria ter ficado com o avô (Marcos Caruso), pai afetivo do menino ao longo de cinco anos. Eles apontam também a existência de forte vínculo familiar já estabelecido como motivo para que o avô ficasse com a criança.
O voto discordante ficou com a advogada Sylvia Maria Mendonça do Amaral ( sócia do IBDFAM), para quem a guarda do menino deveria ficar com o pai biológico, uma vez que um pai ou mãe somente são destituídos do poder familiar —e perdem o direito de guarda dos filhos— em situações extremas e gravíssimas, como, por exemplo, em caso de dependência química.
A trama
A trama da novela “Páginas da Vida” traz a discussão do tema da guarda de filhos e envolve a disputa do pai Léo (interpretado por Thiago Rodrigues) com o avô pela direito de criar Francisco.
Léo abandonou a namorada quando soube de sua gravidez e se recusou, na época, a reconhecer a partenidade do filho. Após cinco anos, ele fica sabendo da existência do filho que mora com os avós maternos. Então, entra com a ação de investigação de paternidade e com o pedido de guarda do menino.
No julgamento da ação, em audiência retratada no capítulo que foi ao ar no sábado, Léo obtém a vitória na Justiça. Mesmo assim, por se tratar de uma questão bastante polêmica, o avô ainda tem fortes fundamentos jurídicos para recorrer da sentença.
Prevalece interesse da criança
Especialista em direito de família, Sylvia Maria Mendonça do Amaral afirma que em casos como o da novela, o pai ausente por cinco anos tem o direito de requerer a guarda do filho. “Tudo indica que travará uma batalha judicial como o avô. Em se tratando de direitos de crianças e adolescentes, os casos são analisados um a um. Leva-se em conta fatores emocionais, afetivos e psicológicos do pai, dos avós e da criança”, destaca a advogada.
Gustavo Rene Nicolau, advogado e professor de direito civil, ressalta que o pai tem direito ao poder familiar, mas as decisões dos tribunais sempre se pautam pela prevalência dos interesses da criança. “Por exemplo, no caso de bebês trocados em maternidade, com descoberta posterior, a orientação que prevalece é que a criança seja mantida com a família que já a está criando”, afirma.
No caso específico da novela, os laços de afetividade entre Francisco e o avô são fortes e não devem ser desprezadas pelo juiz, na avaliação de Nicolau.
Segundo a advogada Maria Fernanda Vaiano, “a fixação da guarda de uma criança não se prende ao vínculo de sangue”. “A questão merece tratamento subjetivo, e prevale sempre o melhor interesse da criança. Outro aspecto que merece atenção é o rompimento das crianças com os lares em que vivem, isso traz conseqüências. Esse aspecto psicológico é muito importante e pesa na avaliação de um juiz”, avalia.
De acordo com Maria Fernanda, um pedido de guarda muitas vezes não é concedido para aquele que possui mais dinheiro, pois o interesse da criança prevalece, ou seja, o fato de uma parte ser superior no aspecto financeiro não significa necessariamente que a guarda será concedida para ela.
Desbiologização
O professor Gustavo Rene Nicolau explica que a doutrina está construindo a teoria da desbiologização que considera importante a relação de afinidade e afetividade de cada situação, podendo em muitos casos prevalecer esses valores na indicação de quem deve ficar com a guarda da criança. Seria a preferência dos pais afetivos em relação aos pais naturais ou biológicos, opinião que também é compartilhada pelo professor Nelson Shikicima.
Quanto ao pai, não existem motivos para afastá-lo da convivência com o filho. “O pai, por ser um empresário rico, na novela, pode, sem dúvida, contribuir financeiramente para educação dos filhos e ser estabelecido um regime de visitas. O pai representa a legalidade, e o avô e a mãe adotante representam os laços de afinidade”, afirma Maria Fernanda Vaiano.
A especialista Sylvia Maria Mendonça do Amaral, por outro lado, defende o entendimento de que não há motivos legais que possam impedir o pai de ter a guarda de seu filho. “Após o reconhecimento da paternidade, que precede situações deste tipo, é possível que a guarda seja transferida para o pai. Geralmente um pai ou mãe somente são destituídos do pátrio poder em casos extremos. E desde que seja provado que a convivência deles com os filhos seja nociva. O que não é o caso, pois o Léo preenche os requisitos para ser um bom pai e dar um lar às crianças”, avalia.
Clara
Como todo enredo de novela tem seus agentes complicadores, “Páginas da Vida” não foge a essa regra e, embora a situação de Francisco tenha sido tratada isolamente na trama, há a questão de sua irmã gêmea, Clara (Joana Morcazel), que nasceu com necessidades especiais. Portadora da Síndrome de Down, a criança foi recusada na novela pela avó ainda na maternidade, sendo adotada pela médica Helena (Regina Duarte). Para não ser punida pela sua atitude, a avó Marta (Lília Cabral) esconde até hoje a verdade dos fatos.
No caso de Clara, Nelson Shikicima afirma que a adoção da menina esbarra em um agente complicador. “Embora a adoção seja plena de direito, a princípio irrevogável, o pai pode argumentar que houve vício de consentimento, pois faltou ao procedimento a concordância paterna, e também tentar conseguir a guarda de Clara. Mas, como cada circunstância é especial, não se pode desprezar os laços da mãe adotiva com a filha”, afirma. “Neste caso, cairemos novamente na teoria da desbiologização para solucionar o impasse.”
Maria Fernanda Vaiano avalia que o vício de consentimento é um argumento forte, mas acredita que deve prevalecer os laços afetivos entre mãe e filha, já que, quando se trata de adoção, a regra que prevalece também é o interesse da criança.
Situações como essa que a novela mosta tramitam em Juízo, sendo feito um laudo com a avaliação de um psicólogo e assistente social. Fatores psicológicos e sociais são examinados para que seja apontado quem oferece melhores condições de acolher, educar e promover o completo bem-estar da criança, ou seja, seu desenvolvimento físico, psíquico e moral.